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A China e o Big Data: a fronteira da governança digital

Revista Fórum (Brasil)

Por Diego Pautasso e Isis Paris Maia*

Não resta dúvida que o século XXI é a era da informação. Isso quer dizer que a produção cada vez mais está automatizada; o comércio se deslocando para meios eletrônicos; e os serviços cada vez mais plataformizados. E foram justamente as Big Techs os primeiros gestores de dados em larga escala, com capacidade de coleta, processamento e revenda de informações. Isso tem causado preocupações públicas e necessidades regulatórias no que concerne à propriedade, consentimento e privacidade do usuário.

Progressivamente, os novos meios tecnológicos e seus dados têm representado uma grande fronteira também para a governança. A governança digital abre um horizonte completamente novo nas relações Estado e sociedade; no planejamento e gestão pública; e na produção de políticas públicas. É aí que entra o papel crucial do Big Data como ferramenta nos serviços públicos, de modo a melhorar a capacidade estatal e aprimorar a administração governamental. Com efeito, estamos diante de mudanças drásticas no modo de comunicação e gerenciamento de dados, de serviços e de processos. E isso produz novos desafios à governança digital: digitalização dos dados, integração de departamentos transversais, transparência da informação, controle social etc.

Cabe um parênteses. O Estado continua sendo atravessado por conflitos sociais e orientado pelos desígnios das forças governantes. Como os problemas estatais nunca foram estritamente técnicos e/ou gerenciais, o campo de possibilidade da governança digital não pode responder a problemas de outra natureza. Entretanto, é imperativo reconhecer que estamos diante de potencialidades ímpares no que tange às capacidades estatais e de sua gestão pública – seja para qual finalidade forem mobilizados.

No caso da China, o país adentrou o século XXI como grande protagonista do cenário tecnológico, porém não deixou essa revolução digital limitada apenas ao mercado, atravessou outra fronteira, a da governança digital. Assim, o país tem promulgado uma série de políticas para promover o desenvolvimento da indústria da informação. O 13º Plano Quinquenal mencionou a importância da implementação do plano Internet Plus e o programa nacional de compartilhamento de dados. O governo chinês também tem utilizado o Big Data como ferramenta para alcançar a grande meta deste plano, a erradicação da pobreza extrema, como já mencionado em trabalho anterior.

Já o 14º Plano Quinquenal consagra a digitalização de todos os aspectos da vida na China. Não por acaso, em 2022, o Conselho de Estado divulgou um documento dando ênfase à construção do Sistema Nacional Integrado de Big Data para Assuntos Governamentais até o ano de 2025. O sistema inclui três tipos de plataformas: a plataforma nacional com papel de gerenciamento de dados de assuntos governamentais; a de nível provincial construída como um todo por 31 províncias (regiões autônomas, municípios); e a de dados dos departamentos relevantes do Conselho de Estado. O objetivo é construir uma plataforma governamental integrada capaz de romper o insulamento das fontes de dados. Trata-se de ampliar a sinergia interna do governo e aprimorar a eficácia da gestão. O gerenciamento unificado da informação tende a melhorar a utilização dos recursos e evitar a duplicação de ações. E o fato de ter seu próprio ecossistema de Big Tech (Baidu, TikTok, China Mobile etc.) facilita a soberania sobre tais políticas. Detalhe: A introdução da moeda digital (eRMB) vai conferir ao Banco do Povo da China ainda mais relevante na coleto de dados – de hábitos de consumo a fluxos financeiros.

O governo chinês tem enfatizado ainda a necessidade de ampliar a participação social no processo governamental. Além de consultas e sondagens de opinião, as redes sociais podem ajudar o governo a entender demandas e críticas. Em outras palavras, é possível inovar o modelo de tomada de decisão da governança com base no Big Data, pois serve para enfrentar assuntos públicos com mais acurácia; projetar cenários políticos específicos para auxiliar na tomada de decisões por meio da análise abrangente de dados multifonte; e avaliar desempenho de médio e longo prazo como efeito da tomada de decisão. Sem dúvida, é possível avaliar políticas de maneira mais realista e representativa, assim como construir projeções e cenários.

Apesar das especificidades, a experiência chinesa é intercambiável e deve fornecer ensinamentos. O Brasil, diante do imperativo da reconstrução nacional com a eleição de Lula, precisa aprender com as melhores práticas internacionais em gestão e políticas públicas. A expertise chinesa em Big Data e governança digital, dada as semelhanças de um país continental, diverso e desigual, pode iluminar os caminhos do país nesse novo ciclo que se abre em 2023.

*Isis Paris Maia é historiadora e mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, pesquisa os arranjos institucionais chineses para o combate à pobreza no país. Email: isisparismaia@gmail.com

*Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política e graduado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professor de Geografia do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) e professor convidado da Especialização em Relações Internacionais – Geopolítica e Defesa, da UFRGS. Autor do livro: China e Rússia no Pós-Guerra Fria, ed. Juruá, 2011. E-mail: dgpautasso@gmail.com

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