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Por que eu sou contra o fast fashion, mas defendo a Shein

Revista Fórum (Brasil)

Iara Vidal, de Pequim

Não se trata de uma marca ou outra, mas do modelo de produção com o Big Data e IA na indústria da moda e de como é a divisão internacional do trabalho

A Shein virou a Geni do moda ativismo. Redes sociais lotadas de textão, IG, tiktok, podcast para explicar como é um absurdo o jeito que a startup chinesa de moda, um estrondo entre a geração Z, coloca o pé no acelerador e cria o ultrafast fashion. Uau. O que a gente vai fazer? Boicotar? Acusar de trabalho análogo à escravidão? Já sei, violação dos direitos humanos?

Eu acho improdutivo ficar atacando uma marca por algo que é um jeito de produzir que veio para ficar, indústria 4.0: uso de big data, internet das coisas, inteligência artificial. Isso sem falar na rede logística da China, né? É trem bala para tudo que é lado. Portos gigantes, como tudo aqui, e pronta para jogar o jogo. Joga bem e usa o que tem para atender a demanda dos consumidores do ocidente.

A Shein não vende para a China. Ela vende para o mundo e sabe vender, falar com os conectados. E a Shein não produz uma camiseta. Ela é um hub de negócios de moda. Ela usa big data, inteligência artificial, estratégia de marketing, para vender mundo afora. Assim que o sistema hegemônico dividiu as tarefas do planeta. Foi o neoliberalismo que mandou as fábricas que fazem todo tipo de coisas do mundo aqui para a Ásia.

Quantas das coisas que você está usando agora foram feitas na China? Acho que um monte. Oras, os chineses fabricam os bens de consumo do ocidente e os próprios, para 1.4 bilhão de pessoas. E ficaram com a fama de poluidores. Tem gente por aí que adora apontar o número absoluto do que a China polui. Só que sem levar em consideração o tanto de gente que tem aqui e que é a fábrica do mundo. Convenhamos, é desonesto. Aqui tem um artigo ótimo: Análise: a China é mesmo a principal vilã do aquecimento global?

Culpar a Shein sobre uma questão estrutural é criar um espantalho com um combo de sucesso de público: direitos humanos, causa Uygur, Xinjiang, China. É só mais um elemento de uma disputa sobre modelo de desenvolvimento. Eu aposto que chegou a vez do desenvolvimento com características chinesas. E o que isso quer dizer para a moda? Que a gente precisa ser aliada da China para mudar o sistema de produção de roupas. Aqui que a maioria das roupas do mundo todo é feita.

Vem da China a proposta de incluir entre as tarefas da Agenda 2030, para o desenvolvimento sustentável, a substituição do poliéster para bambu e rattan. Imagina se essa moda pega? A fábrica do mundo quer encarar a questão dos microplásticos. Isso é grande. Pode mudar o rastro da moda.

As pessoas vão continuar comprando. É assim que o capitalismo funciona. Se fechar a Shein, vão vir outras. Já vieram. Sempre vão vir. Então eu proponho que a gente discuta é como podemos melhorar a relação da moda com a natureza? A tecnologia está aí para isso. Tem como fazer, mas é preciso pensar numa cooperação ganha-ganha.

O mundo precisa das indústrias para viver essa apoteose consumista. Não se trata de quem ou onde faz, mas o porquê faz do jeito que faz. Foi o jeito que as lições foram distribuídas na divisão internacional do trabalho do sistema capitalista hegemônico: o sul global faz o serviço sujo e o norte global usufrui de tudo.

Na hora de pagar a conta desse frenesi de consumo, de um sistema que já mostrou que está se lixando para o povo, mais uma vez fica o prejuízo para o sul global. Aí um país, do sul global, se diferencia na organização política, segue um socialismo próprio, tira 900 milhões de pessoas da extrema pobreza em plena pandemia da Covid-19, melhora ano a ano a vida da classe trabalhadora, investe em ciência, tecnologia, saúde, educação, transporte.

Nada disso foi milagre. É resultado de muito trabalho desde 1949, na Revolução de Libertação Popular do povo chinês. Liderada por Mao Zedong. O Partido Comunista da China (PCCh), com 96 milhões de pessoas hoje, é o protagonista dessa mudança. Uns chamam de ditadura. Eu chamo de democracia popular. Uma história com erros e acertos, mas com uma missão espetacular cumprida: eliminar a extrema pobreza.

Você pode não gostar da China, mas você deve respeitar a China. Reconhecer o caminho de desenvolvimento com características chinesas. A revolução, a reforma, a abertura e, agora, uma nova era. Tudo fora da cartilha neoliberal, mas que soube aproveitar a tarefa que lhe coube para crescer nesse modelo maluco desenhado pelo Consenso de Washington. Enquanto se modernizava, sob a liderança de Xi Jinping, a China investia em pesquisa e tecnologia, de olho no próximo salto do modelo de produção capitalista e tirava o povo da miséria.

Considero mais produtivo a gente debater como podemos dar escala para as mudanças que a indústria da moda precisa, urgentemente. Precisamos sim poluir menos, fazer as pazes com a natureza, mas também gerar emprego de qualidade para o povo. Valorizar o pequeno, o local, quem faz, é incrível. Mas o problema é muito grande. Precisa de vontade política das nações. Com a China em uma nova era de desenvolvimento verde e com qualidade essa nação colossal e que carrega a tarefa de produzir para o mundo e também de cuidar da sua população enorme, num território enorme, cheio de pluralidade. Vamos falar a sério sobre esse assunto, por favor.

Menos Shein, mais alívio da pobreza – incluindo a de espírito.

Diário da China | Revista Fórum (Brasil)

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